Pra entender bem esse assunto você precisa lembrar do contexto histórico que criou a necessidade de se pensar numa forma de reorganizar a sociedade, que passava por um período de crise, assolada que estava pela fome, pelo desemprego, pela falta de estrutura sanitária –resumidamente, afogada em bosta e gente morta!
Estamos no final do século XIX (anos 1800) na França, uma das cidades mais desenvolvidas do mundo naquela época. A industrialização havia chegado, e Paris, capital da França, vivia seu auge. Linda, com seus cabarés, seus parques, sua vida urbana. A Torre Eiffel como símbolo da modernidade. Mas, ao mesmo tempo, a maior parte da população não participava desse desenvolvimento. Uma parte era formada por operários, que passavam a maior parte do dia (e das suas vidas) dentro das fábricas, em ambientes completamente insalubres, nocivos à saúde, fornecendo a força do seu trabalho em troca de um salário que mal pagava suas contas.
Porém outra parte, ainda maior, estava numa situação pior. Eram camponeses, agricultores que, não tendo mais espaço no campo para cultivar seus produtos (as terras, originalmente pertencentes ao Rei haviam sido compradas pela burguesia), e seduzidos pela moderni-dade da vida nas cidades, promoveram um enorme êxodo rural. Mas quando chegavam nas cidades e não encontravam emprego, passavam a viver na rua, sem ter onde morar, o que comer, e sofrendo as consequências de se viver num ambiente sem o mínimo de estrutura (rede de esgoto, por exemplo).
É preciso ainda lembrar que quem governava a cidade era o Rei. E o Rei não via isso? Via, mas nem o Rei, nem ninguém, se dava ao trabalho de tentar entender como a vida tinha chegado àquele ponto, com tantas pessoas passando necessidade, sem emprego, sem comida, sem nada, e algumas poucas pessoas se beneficiando do desenvolvimento industrial, visto que a industrialização deveria trazer o desenvolvimento da cidade e, consequentemente, da sociedade. Mas a sociedade não se desenvolvia. Quem se desenvolvia, as custas da sociedade, era o Rei, a Igreja, a nobreza e a burguesia. E a sociedade tinha que se ferrar inteira para dar conta de suprir as necessidades dessa classe abastada. Afinal, a ordem social era uma determinação divina, e quando Deus manda, ninguém pode reclamar. Alguma coisa de errado não estava certo!!
Mas toda essa situação começou a chamar a atenção de algumas poucas pessoas. Instruídas que eram, porque tiveram acesso à universidade, aos livros, ao conhecimento, aos pensamentos Iluministas, as reformas religiosas, elas começaram a querer entender o que estava acontecendo. Elas buscavam entender porque a sociedade tinha chegado àquele ponto. Entre essas pessoas, duas nos são bem conhecidas: Claude-Henri de Rouvroy, o Conde de Saint-Simon, e seu secretário, Isidore Auguste Marie François Xavier Comte, ou simplesmente Augusto Comte.
DOS OBJETIVOS DA NOVA CIÊNCIA DA SOCIEDADE
O que Saint-Simon, e depois Augusto Comte, queriam? Entender porque a sociedade havia chegado àquele ponto. E como eles pensavam isso? Bom, Saint-Simon acreditava que o regime absolutista monárquico, onde quem manda é o Rei, não funcionava mais. Ele havia lutado na guerra de independência dos Estados Unidos e na Revolução Francesa, e acreditava muito nos ideais de “Liberdade, Igualdade e Fraternidade”, propostos pelo Iluminismo e defendidos na luta pela queda da monarquia na França. Mas a queda da monarquia não resolvia tudo, porque, para Saint-Simon, alguém deveria governar a sociedade, porque ela própria não conseguiria se autogerenciar. E a igreja também não poderia mais dizer o que era certo ou errado, porque a Reforma Protestante já havia esclarecido que Deus não é o cara que fica fazendo e desfazendo as coisas na Terra. Se a população francesa havia chegado no ponto em que chegou, não era por culpa de Deus, mas por culpa da própria sociedade que se organizou (ou de-sorganizou) daquele jeito. Então quem deveria governar? A burguesia, que havia construído um caminho de desenvolvimento, de modernidade, de industrialização e urbanização, como nunca se viu! E quem ajudaria a burguesia a pensar nas soluções para os problemas nesse caminho de desenvolvimento? A ciência.
E o que era a ciência? A ciência havia surgido junto com o Iluminismo, numa nova proposta de pensamento sobre as coisas, visto que Deus não era mais uma resposta absoluta para as coisas que aconteciam no mundo. Deus tem relação com a espiritualidade, com a fé. Mas para as coisas materiais, as coisas que existem na vida, aquilo que a gente pode ver e pegar, como a chuva, o relâmpago, o vento, as ondas do mar; tudo isso tinha uma explicação lógica. Tudo tinha uma explicação lógica para a sua existência, para o seu funcionamento. É o que hoje a gente conhece como “fenômeno”. Os fenômenos naturais, daquilo que acontece na natureza. E como esses fenômenos aconteciam se não eram obras de Deus? Ora, é isso que a ciência deveria responder. Mas como? E é aí que está a grande mudança: o que não se podia mais fazer era orar para Deus para que ele fizesse ou não fizesse mais as coisas, ou respondesse as coisas; as pessoas agora deveriam pensar nas coisas, observando, analisando, e criando hipóteses lógicas e racionais para os fenômenos. Afinal, tudo tinha que ter uma explicação lógica.
E dessas explicações lógicas e racionais, que surgiram das observações, das análises, das hipóteses e, princi-palmente, dos experimentos dos cientistas, surgiram várias leis naturais. Por que são leis? Porque elas atuam sobre todas as coisas, exatamente da mesma forma, do mesmo jeito. Todas as coisas do mundo obedecem a elas, sem discussão. Por exemplo, foi através dessa nova forma de pensar, buscando a lógica das coisas, que Newton descobriu a Lei da Gravidade. Não era Deus que fazia com que as coisas não ficassem flutuando sobre a Terra e, pelo contrário, fossem “puxadas” pra baixo. Tinha uma força que fazia isso com todas as coisas que existiam sobre a Terra, e a essa força demos o nome de gravidade.
Da mesma forma, existe a Lei da Inércia, a Lei de Rota-ção da Terra, Lei da Ação e Reação. Leis que atuam sobre todas as coisas, indistintamente, ou seja, não depende do objeto sobre o qual ela atua, o efeito vai ser sempre o mesmo.
A CIÊNCIA E AUGUSTO COMTE
Sabe como Augusto Comte pensava a sociedade? Adivi-nhou, adivinhão!!! Dessa mesmíssima forma. Para Au-gusto Comte, como as leis são aplicadas a todas as coisas, as pessoas, e o conjunto das pessoas, também sofreriam as mesmas consequências. É assim com a gravidade, por exemplo, que atua sobre um tijolo e sobre uma pessoa, da mesma forma. E se é assim para uma pessoa, também seria assim para a sociedade.
Então o que Augusto Comte queria descobrir? Qual era a lei que atuava sobre a sociedade, e como ela funcionava!!! Sabe qual era o nome que se dava a este modelo de exercício mental? POSITIVISMO!! Positivismo é exatamente pensar a sociedade por meio da ciência. E ele, Augusto Comte, criou até um nome para esta nova ciência da sociedade. Ele a chamou de Sociologia (ai, que emoção!!!!! ). Bom, pra descobrir a tal da Lei da Sociedade, Augusto Comte deveria fazer o que? O que os cientistas fazem, óbvio: observar, analisar, criar hipóteses e testar essas hipóteses por meio de experimentos. Isso é ciência. Sabe quando Augusto Comte fez isso? Nunquinha na vida!!! Nunca, jamais, never!!! Cara, Augusto Comte era burguês, e uma mudança para consertar a sociedade, dando aos mais pobres o que eles precisavam, acabava com o privilégio dos mais ricos. Comte acreditava nisso tudo, mas ele entendia que isso não podia ser feito assim, da noite pra dia.
Depois de Comte, apareceu um cara, chamado Herbert Spencer, que gostava da forma como Comte pensava e tinha também um interesse em tentar entender a sociedade. Ele era filósofo, assim como Comte e Saint-Simon, e gostava de pensar nas coisas. Mas ele também era biólogo, e trabalhava muito mais voltado às espécies animais. Ele, inclusive era amigão dum cara famoso pra caramba: Charles Darwin. Você deve saber que Darwin é o cara da evolução das espécies, né!?! Foi ele que disse que as espécies se adaptam ao ambiente, e evoluem dessa forma para sobreviver. Enquanto isso, quem não se adapta, morre. E nessa adaptação, as espécies mudam, criam características próprias (asas, garras, nadadeiras), e vão sobrevivendo.
Ouvindo isso, Herbert Spencer concluiu uma coisa que faz todo sentido: ora, se todas as espécies se adaptam e evoluem para sobreviver, inclusive o homem, e isso é uma lei – a Lei de Evolução das Espécies, ou Evolucionismo; o conjunto das pessoas também sofre essa mesma consequência. Afinal, é uma lei!!! Caraca, véi, descobri!!! Quer dizer, Herbert Spencer Bichão da Goiaba descobriu a lei que atua sobre a sociedade, que Comte queria descobrir. A lei que atua sobre a sociedade tem origem no processo de evolução, e faz com que a sociedade funcione buscando sempre... evoluir!!! Caceta!!!! A essa lei, Spencer deu o nome de... Evolucionismo... Social (que novidade!!!). Ela também é conhecida como Darwinismo Social (putz, novidade ainda maior!!).
O PRIMEIRO PROFESSOR DE SOCIOLOGIA DA GALÁXIA
Daí, tinha um cara que pensava igual a Comte, e enten-dia que a sociedade poderia ser estudada por meio da ciência, obedecendo à leis universais e imutáveis, como a lei da gravidade. E ele, tanto quanto Comte, sabia que o lance era descobrir que lei é essa. Então ele soube das ideias de Herbert Spencer e sobre o Evolucionismo Soci-al. E pensou: “cara, o lance é juntar uma coisa na ou-tra!!”. Seu nome: Émile Durkheim. Ele foi o primeiro professor de Sociologia do mundo, e foi ele quem sistematizou o estudo da sociedade, com base na função que as pessoas assumem na sociedade (que a gente entende melhor chamando de “trabalho”, ou seja, aquilo que a gente faz pra sanar as nossas necessidades) e como nos organizamos em sociedade para realizar essas funções. Atenção para o seguinte: não é cada pessoa, são “as pessoas”; e não são as sociedade, é a sociedade do universo todo. É uma lei, é pra todo mundo. Ela não funciona só pra mim ou só pra você, ou só pra quem é branco, ou só pra quem é preto, ou só quem é alto ou baixo, ou careca, ou rico ou pobre!! É pra todo mundo!! Ou seja, todos nós obedecemos a essa lei.
Essa, meus queridos e queridas, é a base da SOCIOLOGIA TRADICIONAL, que busca entender a estrutura da sociedade a partir de uma lei imutável, universal, que atua sobre todos os indivíduos e sociedades da mesma forma. Só que hoje a gente entende que não é assim. As teorias sociológicas fun-cionam, mas elas precisam ser aplicadas e analisadas entendo as características de cada sociedade. Aliás, não dá pra tentar entender uma determinada sociedade sem entender, primeiro, aquilo que a compõe – os indivíduos. E, perceba, não é “o indivíduo”, são “os indivíduos”, que atuam juntos, que criam relações. E, pra isso, é preciso considerar uma coisa extremamente importante: ao contrário dos objetos das ciências naturais, que são inanimados ou irracionais, nós somos dotados de racionalidade e, por conta dessa raciona-lidade, nós somos capazes de tomar decisões e agir com consciência. Nossos atos são intencionais, ou seja, a gente, cada um de nós, faz porque quer fazer, e age diferente um do outro. Nem sempre, mas quase. Tem um padrão pra cada sociedade. Essa é a SOCIOLOGIA COMPEMPORÂNEA.